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As Cestas de Padilha, no Esporte e na Vida

 

Descrição da foto para acessibilidade de deficiente visual: Foto de capa da Revista Francisca. Mostra em primeiro plano João Padilha na cadeira de rodas, durante um jogo, com a camisa de uniforme do time Cepe na cor branca com detalhes em preto.

 

Joinvilense é o primeiro atleta de Santa Catarina a           
participar de um mundial de basquete em cadeira de rodas

Raquel Ramos, especial para Francisca

João Mateus Padilha, 24 anos, é o terceiro de quatro irmãos, filho de Renato Augusto e Rosemary Padilha. Aos 10 anos, foi diagnosticado com osteossarcoma, um câncer ósseo que o levou a amputar parte da perna esquerda na altura do joelho. Quatorze anos após o trauma, ele tornou-se o primeiro catarinense convocado para uma seleção brasileira de basquete em cadeira de rodas a participar do campeonato mundial da modalidade, que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes, no período de 9 a 20 de junho.

O universo do esporte é cheio de histórias inspiradoras, e a de Padilha, como é conhecido em quadra, certamente é uma delas. Nascido em Joinville, o rapaz começou a jogar basquete em cadeira de rodas aos 14 anos. Desde então, vem se destacando nessa prática. Sua habilidade e determinação o levaram à categoria paratleta de elite. 

Ao conversar com João, pude perceber sua humildade e simplicidade. Com comportamento tímido, ele me contou jamais ter imaginado virar jogador de basquete, nem antes, nem nos primeiros momentos após amputar a perna. “Eu nem sequer gostava de basquete”, diz o jovem, rindo. “Nunca pensei em jogar até sentar pela primeira vez em uma cadeira de rodas”, revelou. A partir daquele momento, sua vida mudaria completamente.

João treina diariamente para a competição de Dubai. No entanto, como todo atleta, também enfrenta desafios e lesões. No dia em que o encontrei, após o treino no ginásio, estava deitado sobre uma maca fazendo fisioterapia, com aparelhos de eletroestimulação ligados ao ombro esquerdo, com queixas de dor. Voz pausada e baixa, pediu para aguardá-lo enquanto terminava a sessão.

Chegando em sua casa, no bairro João Costa, Zona Sul de Joinville, pede desculpas pela bagunça, explica que seus pais estão viajando, e que ele e seu irmão estão sozinhos. Conta que está acostumado a tomar conta de tudo desde criança, e que sempre recebeu o mesmo tratamento concedido aos irmãos. “Algum tempo depois da cirurgia, ainda ficava muito no quarto, deitado na cama. Certo dia, vi os amigos brincando na rua e pulei a janela para ir até eles. Quando minha mãe viu, foi logo dizendo: ‘Se tu podes pular a janela, podes ajudar dentro de casa também’, e logo me botou para fazer o serviço como os meus irmãos já faziam”, relembra João. A atitude dos pais contribuiu para o crescimento independente de João, que agora é capaz de zelar por si próprio e pelas rotinas domésticas sem ajuda de ninguém. Sua história é exemplo de superação e resiliência.

Voltando ao início de seu relato. João passou por diversas cirurgias, na tentativa de evitar a amputação. Sofria com dores intensas e não conseguia fazer atividades que, antes, eram comuns em seu dia a dia. Nas conversas com os médicos, a maior preocupação era se, após a amputação, ainda seria capaz de jogar bola, correr e brincar com as crianças da rua. A garantia que recebeu foi a de que poderia fazer tudo – desde que se adaptasse.

Mas nada foi fácil. João teve que aprender a andar novamente, primeiro com muletas, depois com prótese, e superar obstáculos, um após o outro. Aos 12 anos, já usava prótese, mas a adaptação só ocorreria alguns anos mais tarde. Além dos desafios físicos, também teve de lidar com as dificuldades emocionais que vieram com a perda da perna. Admite que o apoio da família e dos amigos na superação foi essencial. “As pessoas dizem que é mais simples quando você é criança porque aprende cedo. Não é, não. A diferença é que, hoje, já estou adaptado, devido ao tempo, é claro que estou mais habituado e tenho mais consciência corporal”, afirma.

Ele relembra da frustração que sentia quando estava a caminho do ponto de ônibus e não conseguia chegar em tempo de pegar a sua linha. “Claro que qualquer um pode perder o ônibus, mas muitas vezes, se pudesse dar uma corrida, eu o alcançaria.” O jovem se orgulha do que conquistou e acredita que sua história pode ajudar outras pessoas que enfrentam situações semelhantes. Sempre se mostra disposto a colaborar e incentivar quem passa por problemas parecidos, mostrando que é possível encarar a vida com coragem e perseverança.

Ingresso na vida esportiva

Era um dia de chuva. “Eu estava andando de muleta num desfile cívico das festividades de aniversário de Joinville. Duas professoras do Centro Esportivo Para Pessoas Especiais (Cepe) passaram por mim, ouviram o barulho da muleta e foram procurar os responsáveis pela escola, para saber quem era o menino amputado. Na segunda-feira da semana seguinte”, rememora, com precisão, “elas foram lá na escola à minha procura”. 

Foi assim que recebeu o convite, dez meses após a cirurgia, para conhecer o projeto do Cepinho – Escola de Modalidades, destinado ao atendimento esportivo de crianças com a integridade física comprometida, que abriga também equipes de vôlei, handebol e atletismo, supervisionado pela professora Ana Teixeira. “Tudo começou quando eu tinha de 13 para 15 anos. Foi como uma brincadeira, sem conseguir jogar uma bola sequer.” A experiência foi positiva, e ele logo se apaixonou pela modalidade, depois de tentar outras, como natação e atletismo. 

 

No Cepinho, João Mateus encontrou espaço para se desenvolver no esporte. Participou do Parajesc, competição escolar destinada a estudantes de 12 a 17 anos com deficiência física. Mas foi disputando competições de atletismo e natação que descobriu o seu gosto pelos esportes coletivos de contato. Aos 14 anos, estreou na equipe Raposas do Sul/Cepe, e, como atleta da seleção brasileira do time sub 23, esteve no México, na Tailândia e na Argentina. Oportunidade que lhe garantiu a convocação para estar na equipe brasileira de adultos.

Com o tempo, ganhou confiança e desenvoltura em quadra, como uma peça fundamental do time. Ele se transformou em um jogador dedicado e comprometido, treinando duro para melhorar a cada dia. Para João, mais do que uma atividade física, o esporte é uma forma de se conectar com outras pessoas. No basquete, descobriu um novo mundo de possibilidades e conquistas, mostrando que não há limites para quem está disposto a lutar pelos seus sonhos.

Sobre o futuro, e já bem próximo, está o Mundial de Dubai, o degrau necessário para ganhar uma vaga para as Paraolimpíadas de 2024. Com esse objetivo, intensificou seu treinamento e acredita no talento da equipe para alcançar as duas conquistas. Com a ajuda da professora Ana, conseguiu mais dois dias de quadra para treinar individualmente e perseguir seu melhor desempenho. Antes de partir para Dubai, João competirá em torneios catarinenses, mas terá que dividir sua agenda com os treinos da seleção brasileira, em São Paulo.  Com otimismo e dedicação, João espera alcançar grandes resultados nas competições e realizar seu sonho de representar o Brasil nas Paraolimpíadas.

Seleção rigorosa

A convocação para a equipe principal de basquete é uma seleção rigorosa que leva em conta vários fatores, incluindo a classe lesional do atleta. O joinvilense é portador de lesão classe 4. Esse é um número elevado, considerando que a classificação vai até o máximo de 4,5. Na equipe em quadra, formada por cinco atletas, o treinador só pode colocar um total de jogadores que somem 14 pontos. O fator foi desestimulante, inicialmente, para João Padilha, porque os técnicos buscam atletas de classe lesional baixa. 

Mais uma vez, ele cita Ana como sua grande incentivadora. “Achava que nunca ia ser convocado porque tenho estatura baixa (1,65) e classe alta, mas a Ana não me deixou desanimar. Ela dizia para eu focar nos fundamentos. ‘Tu vais precisar disso mais tarde'”. Fundamentos são os exercícios necessários para quem quer se tornar um bom atleta. Entre eles, quicar baixo a bola com a mão direita e com a mão esquerda; fazer giro alternando as mãos e com olhos fechados para treinar a mobilidade, uma forma de saber onde a bola está sem precisar olhar para ela; reversão por baixo com a direita e esquerda, fazer um movimento de deixar a cadeira sobre uma roda. “São exercícios que ninguém quer fazer. Todos querem pegar a bola e sair jogando”, observa.

Ídolos e referências 

No universo do esporte, ter ídolos e referências é fundamental para se inspirar e aprender com os melhores. João não é exceção. Ele segue uma rotina rigorosa de aquecimento que inclui exercícios específicos com bola de basquete e bolinhas de tênis, além do movimento de ficar em uma só roda. Uma técnica utilizada pelo melhor jogador de basquete em cadeiras de rodas do mundo, segundo João, que é canadense Patrick Anderson. “Sempre que vejo uma jogada feita por ele, penso que também posso”, diz João. Outra referência é o americano Steve Serio.

Entre os brasileiros, cita Marcos Sanchez, o Marquinhos. Outro nome importante é Alex Alves.          “Além de ser da mesma classe lesional que a minha, ele é também um atleta de estatura baixa. Já não joga mais, mas foi um grande finalizador na seleção brasileira por mais de vinte anos. Hoje, é campeão de jiu-jitsu. Conversamos bastante, e o Alex me faz acreditar que é possível chegar longe e ter sucesso no esporte”, completa.

O apoio financeiro e patrocínio são fundamentais para o esporte. Necessários para o desenvolvimento das habilidades dos atletas e competir em alto nível. A partir da aprovação da Lei de Incentivo, em 2022, a situação melhorou bastante para a equipe de basquete em cadeira de rodas Raposas do Sul. Antes, sobreviviam com ajuda da comunidade, rifas e ações para conseguir arrecadar dinheiro para inscrições, viagens, taxa de arbitragem, e para comprar o material necessário para o treino. 

Atualmente, contam com o patrocínio da Schulz e da Whirlpool. Apoio necessário para adquirir as cadeiras, bolas, pneus para as rodas e pagamento dos funcionários. A equipe ainda conta com o apoio da comunidade, mas agora tem um patrocínio consistente que ajuda muito na sua sobrevivência.

O paratleta joinvilense que vai ao Mundial tem uma preparação para o esporte de alta performance que vai além só dos treinos e jogos. Conta com uma equipe multidisciplinar que o acompanha no dia a dia, desde a alimentação orientada pela nutricionista Shauanna Pasterga até os cuidados com a fisioterapeuta Alessandra Berkenbrock.  Em Joinville, a preparação física de João inclui ainda uma parceria com a academia de musculação de Gleidisson Alves, orientação do coach Alan Diego e do massoterapeuta Cristiano Pitz, todos preocupados em aprimorar o seu desempenho. Além disso, o Instituto Atenas e o Sicredi oferecem seus serviços para toda a equipe, enquanto a prefeitura de Joinville cede as instalações, quadras e equipamentos para os atletas treinarem e profissionais do Departamento Médico nos cuidados dos atletas.

Na Seleção Brasileira, o apoio vem de outras empresas e instituições. A Caixa Econômica Federal, a Hollister, o Centro Paralímpico Brasileiro de São Paulo, a Confederação Brasileira de Basquetes de Cadeira de Rodas (CBBC) são alguns dos patrocinadores que ajudam a seleção a se preparar e competir em alto nível., 

Em Joinville, a treinadora Ana tem uma preocupação constante em formar equipes desde jovens até a idade adulta. A ideia é dispor de atletas locais, crescidos dentro da equipe. João Mateus é um dos exemplos desse trabalho. Com a experiência que já acumulou, ele participa não só nas quadras, mas também em eventos e reuniões para fechar patrocínios. Dessa maneira, aprende o lado burocrático da profissão. De natureza tímida, é instigado, por Ana a diariamente a sair da zona de conforto: “Ela sempre me diz: ‘você não pode só ser bom dentro da quadra’”.

Finalmente, João Mateus expressa o reconhecimento pelo rumo que a sua vida tomou. “O basquete me ensinou a liderar, e me deu tudo o que sou hoje. O esporte não me deixou entrar em depressão, nunca aceitei passar por coitado”, afirma o atleta. “Se hoje eu conheço muitos lugares no Brasil e no exterior, foi por conta do esporte.” João Mateus reconhece que teve que se esforçar, mas que deve muito às pessoas que o orientaram e, ao mesmo tempo, abriram portas para ele. A responsabilidade e o comprometimento são valores que aprendeu no esporte e que leva para a vida. O basquete foi a chave para a superação e o sucesso de João Mateus, hoje uma referência, dentro e fora da quadra.

Raquel Ramos é jornalista

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Marco e inspiração


Ana Teixeira, especial para Francisca

A convocação do atleta João Padilha é o reconhecimento de um trabalho desenvolvido com planejamento e profissionalismo por uma equipe que contou com muitas pessoas envolvidas, nos últimos anos, o que traz um sabor especial por ser uma convocação com representação coletiva.  É um marco relevante para o basquetebol em cadeira de rodas de Santa Catarina, considerando ser a primeira vez que um paratleta catarinense é convocado para o mundial da modalidade. O atleta foi formado na escolinha de esportes do Cepe, fator que deverá servir de inspiração para famílias e outras crianças e adolescentes com deficiência física

Organização da sociedade civil que é referência no Sul do Brasil há 20 anos, o Centro Esportivo para Pessoas Especiais (Cepe) é o primeiro clube de esportes paralímpicos de de Santa Catarina, fundado em 2002, por mim e pela também professora de educação física Sônia Ribeiro. Ao longo de sua trajetória, já participaram centenas de representantes na categoria de atletas, alunos, técnicos e professores.

A missão do Cepe é a de desenvolver e divulgar o esporte paralímpico, e a nossa visão, ser um centro de referência na capacitação profissional e um agente integrador entre a comunidade e o esporte adaptado, atendendo ao público de pessoas com deficiência física a partir dos 5 anos de idade.

Em parceria com a Secretaria de Esportes de Joinville, o Cepe desenvolve as modalidades de basquete em cadeira de rodas (patrocínios de Whirlpool e Schulz), natação (apoio C3), atletismo (apoio Univille), futebol de 7 PC (patrocínio Drogaria Catarinense), bocha paralímpica (Termotécnica e Koerich). Além dos dois núcleos do Cepinho, escolinha de esportes para crianças com deficiência física (patrocínios Tupy, Engie e Docol, apoio Univille e Rieper Corretora de Seguros).

O Cepe também desenvolve um programa educacional, fortalecendo a cultura paradesportiva no município, que já atingiu mais de 65 mil pessoas. Entre outros registros, tivemos a participação de nossos representantes em 451 competições esportivas em nível estadual, nacional e internacional (mundiais e paralimpíadas), 175 convocações e representantes do clube em seleções catarinenses, seleções brasileiras de jovens e adultos, e média de 7.600 atendimentos anuais em nossas modalidades.

Somos o único clube para desportivo do gênero em Joinville a ter representantes em quatro paralimpíadas consecutivas: Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, Tóquio 2020.

Ana Teixeira é professora de educação física e coordenadora do Cepe

 

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