Este texto relaciona o filme “Divertida Mente”, que conta a história de uma menina de 13 anos obrigada a mudar de cidade e de escola, com a vida real de quem está prestes a completar 70 anos. São momentos diferentes, mas com os mesmos sentimentos: Alegria, Tristeza, Raiva, Ansiedade, Medo e Nojinho. E esse foi o motivo que me fez assistir ao filme.
O tema, no cinema, aborda os medos, inseguranças e alterações de humor de uma adolescente, bem como seus sentimentos em relação às mudanças que estão ocorrendo. Enquanto eu abordo a experiência de quem vive a significativa mudança de aniversário. Outros problemas, outras situações, outra realidade, mas sempre os mesmos sentimentos.
De forma lúdica, o filme cria personagens com nomes que representam os sentimentos. Todos estão à frente de uma mesa de controle cheia de botões, acionados por eles próprios, gerando um turbilhão na mente da menina. Trazendo para a nossa realidade, parece aquele monte de pessoas, amigos e inimigos, a bombardear nossa cabeça com palpites, opiniões e conselhos.
Na verdade, é tudo o que se passa dentro dela e de sua consciência. Na vida real de quem está prestes a completar 70 anos, não há nada de lúdico, com exceção dos joguinhos de memória, palavras cruzadas e tricô. Chegou o momento de enfrentar as propagadas doenças e dores. Como não temê-las? É a hora do MEDO.
Quando aparecem o Medo e a Tristeza, vejo na expressão da plateia um ar de graça, como se criança não devesse ter esses sentimentos. E os adultos sempre orientam que as crianças não os tenham. Mas a realidade é que são sentimentos que nos acompanham por todo o percurso da vida. Tenhamos 13 ou 70 anos, o desconhecido nos assusta sempre. É preciso atitudes, administrar o medo e não minimizar o problema.
E a Tristeza? Nesse caso, achei excelente a criação metafórica para ter na memória: a Ilha da Bobeira, da Amizade, da Honestidade e da Família. Além do Trem do Pensamento, como um local de armazenamento de memórias boas que se revezam em várias fases da vida. Assistir a “Divertida Mente” é observar a pequena garota reagir às situações desafiadoras do cotidiano tanto quanto nós, adultos, temos de fazer. Todos os sentimentos são importantes. Ao contrário do que pensamos, a tristeza é essencial para a nossa vida, segundo mostra o filme. Não para vivermos nela, mas para reconhecer que ela existe e aprender a sair ou confrontá-la. Essa ação nos dá uma sensação de vitória.
O filme também apresenta os personagens Vergonha, Tédio e Inveja. O Vergonha é um sujeito desajeitado que tenta, sem sucesso, se esconder em seu moletom, sempre com a cabeça coberta pelo capuz. Nessa parte, me vi entre minhas roupas mais larguinhas, sapatos confortavelmente sem salto. Algo de quem não se esconde, mas também já não mostra as gordurinhas do corpo. Uso esmaltes vermelhos e anéis grandes para chamar mais atenção do que as manchas escuras no dorso das mãos. E, dessa forma, cada um tem seus disfarces próprios.
O Tédio é representado por um tipo esguio e magro, de cabelo liso e comprido, de cor arroxeada, que vive jogado sem ânimo em um sofá, passando o tempo a rolar o feed das redes sociais, abatido, sem ânimo, desinteressado e apático. No filme, ele aparece como um elemento para contrabalançar a ansiedade. Pensando assim, ele não pode ser visto como algo ruim, dependendo do tempo que fiquemos nesse estado. Quem nunca se enrolou em mantas no sofá em algum interminável final de semana tedioso? Aos 70 anos, fugir do tédio pode significar ter de sair e se aventurar. Ir ao cinema assistir a “Divertida Mente” é uma opção. Ousar indo a uma palestra da sexóloga Márcia Petry, na Sussurra Boutique Sensual, é outra.
E a Inveja, com seus olhos arregalados desproporcionais ao corpo e rosto, aparece como alguém tímida e encabulada. Seria, talvez, aquele sentimento que ninguém admite sentir e esconde por ser um pecado? Sempre de olho e se comparando com os outros, a Inveja, na película, nunca está satisfeita e sente que o mundo é injusto com ela. Para ser boazinha comigo mesma, eu diria que temos inveja até de nós mesmas. Quando buscamos na memória da juventude, quando fora da “melhor idade”, vivíamos despreocupados com o futuro de nossas vidas. Vamos nos conciliar com a inveja porque, fora das coisas ruins, o que é bom nos outros, temos vontade de ser ou fazer.
O Nojinho representa o desgosto e a repulsa. Ele impede que a adolescente entre em contato com coisas que podem ser prejudiciais ou socialmente inaceitáveis. Aos 70 anos, nossos nojinhos são em relação a tanta tecnologia e botõezinhos que não sabemos acionar, lugares desconfortáveis para sentar, a dor na lombar e no joelho, o etarismo, e posso garantir que a relação é infinita. Nesse sentimento, não adianta ter nojinho das aulas de Pilates e Musculação porque elas vão te fazer falta em algum momento para uma ação que te proporcione alegria.
Quanto à Raiva, ela representa a indignação e a frustração, retratada por um tijolo de cor vermelha, de forma retangular e aparência pesada. Não há como não se identificar com a forma física do tijolo: nós, pessoas de 70 anos, em sua grande maioria, perdemos o contorno da cintura e adquirimos sobrepeso. A raiva, da forma como é colocada, no meu entender, é 100% necessária porque assegura que a personagem demonstre a sua insatisfação. Expor esse sentimento, de forma racional, significa que você tem personalidade e vontade própria. Diferente de causar frustração, ela pode te impulsionar a tomar atitudes.
Enquanto a Alegria representa a felicidade e o otimismo. É tudo o que queremos. Ela é a emoção predominante e sempre busca garantir que a protagonista seja feliz. Ela tem um formato corporal que lembra uma estrela em tons pastéis, leve e brilhante. Tenta se impor aos demais que aparecem para confrontá-la, e muitas vezes conseguem esmorecer sua luz. O que comprova que ninguém é feliz 100% do tempo. Nesse caso, levamos vantagem. Enquanto Riley lida com todos os sentimentos ao mesmo tempo, no auge da adolescência, nós, aos 70 anos, temos maturidade para refletir sobre as alterações que acontecem em nossas vidas. Enquanto ela é obrigada a fazer mudanças em função da vida dos pais, nós temos que enfrentar a realidade de fazer 70 anos, que é imperativo para quem chega até aqui. E isso é Alegria.
Acrescentaria na sala de controle dos setentões personagem do equilíbrio, maturidade e serenidade em um só botão. Ter esse acesso é uma consequência do que fizemos por nós mesmos durante a vida. E, agora mais do que nunca, temos de acioná-lo, pois somos frequentemente colocados à prova com desafios cada vez maiores. Esse personagem, para mim, teria formas arredondadas, de cor dourada suave com toques coloridos, cabeça e corpo alinhados, cérebro com espaço sempre aberto para adquirir novos conhecimentos e com um copo de espumante na mão. Porque não?
A zona de conforto começa a ser proibida para nós. Significa acomodação e, em consequência, a decadência física e mental. Aceitar as mudanças que a vida impõe nos é cobrado diariamente. Mas isso é bom. Devemos nos colocar em novas situações todos os dias. Elas nos garantem dinamismo. Encarar novas situações é desafiador e extremamente necessário, como fez a garota do filme, querendo ou não.
Viver aos 70 anos “Divertida Mente” só acontece com pessoas que se reinventam, lutam sem esmorecer. Hoje, são atitudes mais conscientes do que quando se é jovem e requerem muito mais esforço. Talvez devêssemos também acrescentar o personagem e o botão da força de vontade para não deixar o Tédio, a Vergonha e a Tristeza se sobreporem à Alegria.