Somayeh Safarigavandoghei Nikdelamnab, 38 anos, é iraniana e mora em Joinville há 18 anos. A última vez que esteve no Irã com toda a família foi em 2017. Depois disso, já viajou duas vezes sozinha a trabalho, para trazer tapetes, fios e produtos usados na restauração de tapetes persa.
O primeiro contato que tive com Somayeh foi pelo Facebook. Recebi um convite de amizade e aceitei. O que mais chamou minha atenção foi a informação dela ser de Teerã. A atividade com os tapetes persa, também. Tive o ímpeto de conversar inbox por absoluta curiosidade. Mas confesso que tive receio.
A imagem que temos dos muçulmanos é a que vivem reclusos e de pouca conversa. Para minha surpresa, esta foi só a primeira barreira quebrada por ela. A ideia da austeridade foi dissolvida pela hospitalidade persa de toda a família. Fui presenteada com o chá e a xícara de vidro transparente – própria para bebê-lo. Pão iraniano, lenço trazido da viagem e comida caseira feita pela mãe de Somayhe.
Para os iranianos o principal valor é a família e por isso eles querem preservar seus costumes e religião. Desse mundo tão distante, e não só em quilometragem, conheci uma mulher destemida sem abandonar os seus valores. Com todo o respeito e cada um desempenhando as suas funções ela tem um papel de liderança na família e atua nas decisões com o marido.
Somayhe se destaca pela personalidade forte. Vem mostrar que as mulheres iranianas não são invisíveis. Elas existem e buscam os seus anseios sem romper com as tradições. O peso dessas mulheres vai além das obrigações ou do modo de se vestirem.
Uma introdução necessária
O país que hoje é a República Islâmica do Irã data de 550 AC. Se localiza no Oriente Médio, faz fronteira com o Iraque, Turquia, Azerbaijão, Turcomenistão, Afeganistão e Pasquitão. Tem a economia baseada no petróleo e é um dos únicos países não-árabes da região. O distanciamento e divergências entre os países vizinhos começa já pelo idioma, que no Irã é o persa. O governo é conservador e a religião muçulmana, mais ainda. As regras e estilo de vida dos cidadãos são rigorosas. Pela complexidade, o assunto será abordado, sem questionamento. Trata-se de um relato de experiências pessoais e familiares.
A vinda para o Brasil e os procedimentos burocráticos
O pai, Said Safarigavamdoghdei, sempre trabalhou no comércio de tapetes persa. Ele levava contêineres cheios para a Europa e comercializava na França, na Alemanha e na Suíça. Motivo que o obrigava a ficar fora do seu pais por mais de um ano.
Nesse período a família obrigatoriamente permanecia morando no Irã. Todos os filhos eram menores de idade e ficavam sob os cuidados da mãe. “Porque em nosso país uma pessoa não pode simplesmente pegar a família e levar para outro lugar, sem comprovação de estabilidade”, assim inicia Somayhe, com claro sentimento de concordância com as leis do seu país.
Através de pessoas conhecidas, Said veio para o Brasil. Ficou em São Paulo até descobrir que no Sul não havia artesãos de tapetes. Foi quando veio para Joinville.
Depois de 4 anos decidiu fixar residência e foi em busca dos trâmites possíveis para trazer a esposa e os seis filhos para o Brasil. Um procedimento complicado e burocrático feito nas embaixadas dos dois países. Com a comprovação da empresa que tinha aqui, Saíd enviou uma carta para a Embaixada do Brasil e Teerã convidando a família para vir conhecer este país. Uma exigência do governo brasileiro.
A “carta convite” é obrigatória para obter o visto de turista ao sair do Irã e entrar no Brasil. “Alguém tem que te convidar para vir. Tem que ter a garantia de que vai voltar para o Irã, está é uma exigência do governo iraniano”diz ela. “Porque eles não querem que o seu cidadão não volte para o seu país”, completa.
Quando chegaram aqui em 2002, Said já possuía visto permanente. Com isso ele consegui pela “reunião familiar” autorização do governo brasileiro para a permanência da família no Brasil. Fato que gerou situação de irregularidade perante o governo iraniano.
Com o objetivo de resolver esta questão voltaram ao Irã em 2001. Para regularizar, tiveram que pagar todos os impostos devidos dos cinco anos ausentes, como se tivessem trabalhado e estado lá. E pagam até hoje. Porque eles mantêm uma casa e uma loja de tapetes, embora esteja fechada.
Graças a situação estável no Brasil, por terem identidade brasileira, a saída do Irã, depois disso foi tranquila. Hoje viajam com os dois passaportes. O brasileiro para sair daqui e o iraniano para entrar lá. Mas ainda assim quando saem do país onde nasceram, apresentam os dois passaportes. “Porque o governo iraniano quer saber para onde você vai. É preciso ter o visto ou o passaporte para o país de destino”, reafirma.
O completo desconhecimento que as pessoas têm da realidade do Irã causa um certo desconforto em Somayhe. Revela que quando chegaram todos perguntavam se o motivo da vinda para o Brasil era a guerra. Uma pergunta repetida com frequência ainda hoje. “Infelizmente as pessoas não conhecem nada do Irã. Da nossa cultura e riqueza. Falam de uma guerra que aconteceu há 40 anos, quando eu nem era nascida” e continua: “Já chegaram a me perguntar se no Irã tem asfalto nas estradas. Para o meu filho, de 13 anos, que já viajou para lá 5 vezes, os amigos da escola perguntam se ele encontra homem bomba nas ruas”.
A integração e o aprendizado do idioma português.
Entre tantas dificuldades de integração, aprender o idioma foi a primeira a ser enfrentada. E quando pergunto como aprendeu a falar português, com uma risada ela responde: “Com o Jornal Nacional. Assistia e prestava muito atenção porque achava que o vocabulário correto estava ali no jornal”. Mas foi com uma vizinha que junto com os irmãos e a mãe aprendeu as primeiras palavras. “Ela fazia questão de nos ensinar porque assim também assimilava algumas palavras em persa”, relembra com carinho.
No Irã, Somayhe já tinha o nível de escolaridade suficiente para cursar a faculdade, como era seu desejo. Aqui, precisou ingressar no 2ºano do ensino médio para fazer adaptação curricular. Cursou Ciências Contábeis e revela que o idioma foi a maior dificuldade que encontrou para se comunicar com os colegas e professores.
Ela conta que precisava aprender especialmente a escrita para frequentar o curso superior. Eu não conseguia escrever em português. No Irã a gente escreve da direita para a esquerda e o nosso alfabeto é o ALEFBA e completa: “Ainda hoje, para mim, é mais fácil escrever e falar em persa”. E rindo completa: “Falar português a gente fala, mas fala errado”.
Mesmo fazendo essa observação pode-se dizer que ela domina muito bem a nossa língua. Nota-se que o marido tem mais sotaque, assim como seus pais. Em família falam o persa e o turco. Uma forma dos filhos se comunicarem com os avós, tios, primos e amigos que moram no Irã. “É também uma forma de mantermos nossa cultura ativa dentro de casa”, diz ela.
Em uma viagem feita ao país natal, em 2011, foram obrigados a permanecer lá, por quase dois anos, por motivo de doença do marido. Por isso o filho mais velho, então com quatro anos, teve que frequentar a escola, exigência do governo iraniano. Essa vivência foi importante para ele aprender a falar o persa. Com relação à escrita, os dois filhos, Amir Hossein (13) e Erfan (8) vão estudar, aqui no Brasil, com o suporte da Embaixada do Irã. “Isso acontecerá quando eles completarem 15 anos”, explica.
O casamento – Uma história de amor à primeira vista. Tradições e costumes.
No dia da viagem para o Brasil, Hamidreza Nikdelamnab foi chamado por uma prima de Somayhe para levar a família dela ao aeroporto. “Ele tinha uma caminhonete e precisávamos de um carro grande, porque éramos sete pessoas: minha mãe, os seis filhos e muitas malas” conta.
Ela relembra que naquele dia pouco observou o homem que hoje é o seu marido. Estava mais preocupada em viajar para o Brasil e rever o pai de quem estavam separados há 5 anos. Mas Ficou sabendo depois que naquela oportunidade “Ele já gostou de mim. Mas não podia se pronunciar porque nossos costumes não permitem um homem se aproximar de uma mulher que não conhece”, continua o relato.
No Irã quando um homem fica interessado em uma mulher, a mãe do rapaz entra em contato com a mãe da moça explica o interesse do filho e propõe que eles se conheçam. Assim, dentro dos costumes “Ele conversou com a mãe dele sobre a moça que tinha visto e pediu que falasse com a família para eles se conhecerem”, explica.
Seguindo as formalidades da cultura, dois meses depois de chegarem ao Brasil, a mãe de Hamidreza procurou Mahi Samadi, mãe de Somayeh, para pedir a mão da filha dela em casamento. É dessa forma que acontece: “Depois que as mães conversam entre si, elas falam com os pais dos futuros noivos e então iniciam os acertos. Dão as referências dos pretendentes e combinam de marcar um chá para as famílias se conhecerem”. Como eles estavam no Brasil e a família do pretendente no Irã, essas tratativas foram feitas através das tias dela que moram lá. “A nossa opinião só vale depois, se os pais aceitarem a união. Daí o casal pode conversar”, fala sempre sorrindo.
Porém, na família de Somayhe, sempre houve um pouco mais de consenso. Embora ela não quisesse casar, naquele momento, foi aconselhada pela mãe a permitir/aceitar que o rapaz pudesse vir ao Brasil para se conhecerem. “Meus pais argumentaram que ele era de boa família, educado e da religião, um fator de grande importância. Se gostar você casa, se não gostar devolve o noivado”, diz e explica que anos atrás não era assim. Pelas tradições quem decidia pelo casamento, ou não, eram os pais.
Na cultura iraniana não existe o namoro para o casal se conhecer. Esses período do relacionamento é chamado de noivado. Um compromisso sério, mas que pode ser desfeito. Uma relação onde não há contato físico entre o casal. Havendo a decisão entre os noivos para concretizar o casamento, esse noivado tem que ser formalizado em cerimônia realizada em uma Mesquita. Entre Hamidreza e Somayhe isso aconteceu em 29 de maio de 2002, em Curitiba.
Durante dois anos eles ficaram noivos. Em 19 de junho de 2004 realizaram o casamento civil diante de um representante da Embaixada do Irã, em ato realizado aqui em Joinville. Com um sorriso ela relembra de quando se conheceram “ele veio, a gente foi se apaixonando cada vez um pouquinho mais e nos casamos”. Na primeira viagem ao Irã, já com o primeiro filho, a família de Hamidreza fez um festa íntima para comemorar o casamento. “Uma festa íntima que tinha mais de 500 convidados”, comenta com satisfação.
Tradições e costumes baseados em Leis.
Pelas tradições do seu país, em caso de separação, ocorre um processo inverso ao do noivado. Nesse caso não mais as mães que se conversam primeiro. “Comunicamos os nossos pais e então o pai da mulher fala com o pai do homem”, expõe. “O motivo da separação tem que ser grave, como por exemplo se o homem for drogado, agressor da mulher, não cumprir com os deveres de casa, de trabalho, de família”, completa.
Havendo a separação a guarda do filhos cabe ao pai. A mãe fica com o direito de estar com a criança a cada 15 dias. Porém existe a possibilidade de um acordo entre o casal para que ela obtenha a guarda. Isso é estabelecido por pedido judicial e vai depender do motivo da separação. Querer se separar simplesmente por desarmonia entre o casal não justifica a guarda dos filhos para a mãe. Mesmo que esta seja a vontade da criança ela só poderá fazer a opção quando tiver 14 anos.
Da mesma forma, em caso de viuvez os filhos ficam sob a guarda dos avós paternos. Isso contribui para muitas desavenças. Nesse caso também existe a possibilidade de pedido judicial desde que a mulher comprove ter condições financeiras e emocionais para a educação dos filhos. “Mas também só quando tiver justificativa grave. E quando isso acontece as famílias viram inimigas”, abrevia.
Este assunto sobre a guarda dos filhos sempre foi uma preocupação para Somayeh. Ela admite que no início do casamento Hamidreza “era bem iraniano”. Com medo da possibilidade de ter filhos e um dia perdê-los, relembra de conversas muito francas que tiveram: “Vamos ser igual para igual na criação dos filhos, nas decisões, esquece que você é iraniano e que manda em tudo. O marido compreendeu e disse que jamais iria tirar os filhos dela. Como garantia fizeram um acordo registrado em cartório e na Embaixada do Irã onde estabelece que se alguma coisa acontecer a um dos cônjuges as crianças ficam o outro.
Da mesma forma, a questão sobre viajar com os filhos desacompanhados do marido já esta garantida entre eles. No Irã este controle é muito rigoroso. Foi acordado e registrado no passaporte que os filhos podem viajar com um ou com outro para qualquer parte do mundo.
Tal procedimento se fez necessário porque mesmo casada e morando no Brasil, em caso de morte do marido, a família iraniana poderia reclamar a guarda dos meninos através da Embaixada do Brasil em Teerã. Lembra que sua mãe a aconselhava a não pensar no pior, ao que ela argumentava: “Como que não? Essa é a realidade da legislação do nosso país. Ela determina que eu entregue os meus filhos”.
Cita o exemplo de pessoas da própria família onde já houve um caso de separação e feita de maneira natural. A justificativa, segundo Somayhe, é de que a cultura está assimilada dentro deles e admite a ideia de que se estivesse ainda morando lá, talvez não cogitasse outra possibilidade. Ao mesmo tempo ri e diz: “Mas eu sou ruim de aceitar certas coisas”.
Estabelecer o dote de casamento é também uma prática tradicional no Irã. Antes do noivado os pais dos noivos estabelecem qual vai ser a quantia do dote baseada em moeda de ouro. Tudo é combinado antes e o valor varia de acordo com a cotação do dia quando for pago. Não existe o que chamamos de pensão alimentícia ou herança e sim o pagamento do valor do dote em caso de separação ou viuvez. Somayhe faz questão de deixar claro que desde o início dizia e não aceitou este costume: “Não estou à venda. Dote parece coisa de quem está se vendendo. Eu nunca quis e não tenho dote”.
Essa mentalidade mais liberal do que a dos iranianos tradicionais, ela justifica como influência recebida desde a época quando o pai voltava das viagens e comentava os costumes do Ocidente. “Na França é assim, na Suíça é diferente”. Naquela época não havia vídeo chamada, o pai mandava cartas, fotografias dos lugares por onde passava e ela já percebia muitas diferenças. “O mesmo não acontecia na família do meu marido. Por isso, até hoje, eles têm uma cultura e pensamentos muito mais fechados”, argumenta.
A figura paterna e a família do cônjuge homem tem uma representação forte dentro da cultura iraniana. Ela menciona o que aconteceu durante a sua permanência no Irã quando o marido precisou fazer uma cirurgia cardíaca. Como esposa ela acompanhou o marido nas consultas médicas, procedimentos e o depósito para pagamento do hospital. Estava à frente de tudo e ainda assim foi exigido a presença do pai dele para assinar a autorização da intervenção cirúrgica. Caso o pai seja falecido, vai a mãe, e na falta desta, são os irmãos dele que devem assinar. “Eu e nada é a mesma coisa”, diz ela. Uma aceitação com ares de indignação.
Os dois irmãos e a irmã de Somayhe são casados com brasileiros. Os pais nunca se opuseram, mas é necessário que os pretendentes aceitem as nossas tradições. “Na verdade, as duas culturas têm que ser respeitadas”, comenta.
“Somos muçulmanos. Seguimos todos os rituais, todas as datas comemorativas. Meus filhos sabem que é o mês de ramadan, o ano novo e nosso natal”, fala sobre as festas religiosas. O ano novo é comemorado dia 21 de março. A celebração é feita com uma mesa servida de alimentos ou objetos que começam com a letra S no idioma persa.
São eles:
Seke – moeda para atrair dinheiro. Serke – vinagre. Sib – maçã para atrair o amor. Samanu – trigo em grão. Sabze – a planta da lentilha. Somgh – um tempero que não existe no Brasil. Senjed – fruta seca da árvore de Lótus, típica do Irã que representa o amor. Na refeição também é servido peixe que significa liberdade.
Os muçulmanos não comemoram o Ntal como data do nascimento de Jesus. Eles calculam 20 dias após o ano novo iraniano e fazem a celebração do nascimento do Profeta Maomé. Neste dia comem peixe com a arroz e Shivid Polo – um preparo feito com muito endro. Igualmente comemoram o ano novo ocidental apenas como um dia festivo. Usam roupa branca, vão para a praia, pulam sete ondas. “Mas a gente não segue à risca porque não bebemos espumante”.
Antes da pandemia a família frequentava as Mesquitas em Curitiba, já que em Joinville não há. No impedimento atual fazem as cindo orações diárias em casa. “Meus pais fazem todos os dias”, diz ela. A primeira oração é antes do sol nascer, depois às 12h, uma antes do entardecer e outra por volta das 21h. Quado há visita na casa, a mãe Mahi pede licença, se recolhe e faz a oração.
Com a vida corrida e o trabalho Somayhe acrescenta que não tem a mesma disciplina dos pais. Explica que “a nossa oração não é um ato rápido. Há um ritual. Tem que lavar o rosto, o antebraço, passar água em cima do pé e sobre a cabeça. Colocar um véu e o xador (lenço comprido além da altura da cintura). Só então é que realmente começam a oração”.
O Véu
No início da vida em Joinville, relata que se sentiram muito discriminadas por usarem véu. “Quando entrávamos num supermercado os seguranças nos seguiam” e que quando eles se dirigiam à elas gerava outro problema: “No nosso país não podemos conversar com nenhum homem estranho na rua”. Esta atitude é considerada uma afronta para as mulheres. Passados alguns meses, diante de tantos fatos relatados ao pai, acostumado com o mundo ocidental, permitiu que a esposa e as filhas deixassem de usar o lenço. Tal atitude, por outro lado, gerou sentimentos contraditórios entre elas. Como quem revive aquele tempo, relata com uma certa angústia na voz: “No primeiro dia que saí sem véu era como se eu estivesse sem roupa”, continua: “Parecia que todos me olhavam. Me sentia insegura. Foi muito estranho. Muitas vezes voltava para casa chorando e reclamava para meu pai”. Este tratava de acalmá-la: “essa sensação é de vocês, não das pessoas. É justamente o contrário. Quando vocês saem com véu todos apontam. Agora vocês são comuns e iguais as outras mulheres”.
Para a família que ficou no Irã tirar o véu foi visto com certa naturalidade. O sogro foi o que menos gostou da mudança. Eles têm hábitos mais rigorosos em relação à religião do que a família dela. “Eu tinha como aliada a minha sogra que fez ele entender que morando no Brasil, não podíamos viver como se estivéssemos no Irã”, comenta. Como argumento explicava que quanto eles fossem para lá, Somayhe usaria o véu. E foi o que aconteceu “lá eu me visto igual às minhas cunhadas” confirma.
Mesmo dentro de casa, quando há a presença de outros homens, além do marido, o uso do véu é obrigatório. Nesse caso, também tem que usar vestido comprido e manga longa, porque nenhuma parte do corpo pode ficar à mostra. E, como nesses período de viagem havia a presença constante dos irmãos e parentes de Hamidreza na casa da família, ela era obrigada a usar traje completo o tempo todo. Mais uma vez a sogra intercedeu perante o sogro para que ela pudesse tirar essa vestimenta na intimidade do lar.
A Mulher iraniana.
“A mulher iraniana se arruma para ficar em casa. É vaidosa, se veste com trajes de tecidos finos e usa muito ouro para esperar o marido. Quando você vai na casa de uma iraniana, você é recebida por uma mulher produzida como se estivesse indo para uma festa”, diz se enchendo de orgulho. O uso de maquiagem é um item quase obrigatório entre elas com destaque para os olhos e lábios.
Quando vai para o Irã, confessa: “sempre sou a mais simples”, por conta do hábito adquirido nos anos que mora no Brasil. “Adoro ouro, mas como aqui nós evitamos usar, ao colocar já me sinto como se estivesse com coisas demais em mim. O meu cérebro pensa diferente”, explica.
O véu é um hábito religioso, porém as mulheres usam e fazem combinação como um acessório comum. Elas têm vários lenços. “Assim como aqui colocamos a cada dia uma blusa diferente, lá não repetimos o mesmo lenço”, comenta. Além disso ele tem que combinar com a bolsa, com o sapato e com a roupa.
Lembra que quando retornou ao Irã, depois de cinco anos vividos no Brasil, havia perdido completamente a prática desta combinação. Como forçosamente teve que permanecer no Irã ela readquiriu esses hábitos e voltou a ser iraniana no seu cotidiano. “Nós não usamos burca. Essa é uma tradição mais comum dos países árabes. Temos que usar sempre o Rusari (lenço), o Xador (um lenço comprido da altura da pessoa) e um Manto (sobretudo comprido e de mangas longas), esclarece.
Geograficamente o Irã esta no Oriente Médio e cercado por países árabes. Eles se orgulham muito de sua etnia persa e não gostam de ser confundidos com árabes. Segundo Somayhe, a cultura iraniana é mais liberal do que naqueles países. “No nosso país a mulher pode votar, pode dirigir, pode trabalhar, pode desfazer casamento”, conclui.
Há tanto tempo morando em um país com diferenças tão acentuadas, ela admiti, embora com certa inquietude, que “Quando chego lá me sinto estranha no meu próprio país, porém em uma semana assimilo tudo e fico igual a elas”. Da mesma forma quando volta para o Brasil é necessário se readequar.
A adaptação e miscigenação da cultura e dos costumes.
Mesmo residindo aqui há tanto tempo, Somayhe afirma: “Continuo sendo iraniana”. Entre os costumes brasileiros, ainda há alguns não absorvidos. “Ir à praia é uma dificuldade”, exemplifica, “Colocar traje de banho ‘não rola’, nem mesmo na piscina de casa em frente dos meus filhos”. As duas irmãs usam roupa de praia, e observa: “Elas já são mais brasileiras do que eu”.
Ao mesmo tempo em que não se habitua com alguns dos nossos costumes, já estranha alguns da sua própria terra. Lá as refeições são feitas sentados no chão. Não há mesas. Lembra que quando morava em Teerã eles já tinham mesa em casa, mais um dos hábitos ocidentais levado pelo pai das viagens ao exterior. “Diferente da casa da família do meu marido, onde só há a sala de estar”, e descreve: “o prato é colocado no chão. Para comer usam garfo e colher, não garfo e faca”. Desacostumada ela assume que quando ia comer na casa de alguém levava uma faca na bolsa porque já não sabe mais comer com a colher.
Sempre que viajam para o Irã levam um pouco da cultura, dos hábitos e da comida brasileira. Lá não existe leite condensado, doce de leite, café. “Nas primeira vezes fizemos brigadeiro. Eles nem sabiam o que era isso”, diz ela e já demonstrando a preferência continua, “Café tem, mas é da Turquia e não é tão gostoso quanto o do Brasil”.
Educação dos filhos.
Se é difícil educar um filho em uma cultura, em duas é muito mais. O casal tem a preocupação de mostrar para os filhos os dois lados: a cultura iraniana e a brasileira. A segunda eles absorvem naturalmente na escola, com os amigos, internet e televisão. Mas, a essência da educação é dentro das tradições iraniana e orientada pela família.
Somayeh pensa que eles têm a liberdade de escolha. Ela busca nos livros de autores brasileiros e iranianos orientação na educação dos filhos.
Enquanto em Hamidreza a preocupação está refletida na expressão do rosto. Quando se refere a educação dos filhos ele se angustia sobre o rumo que essa nova geração esta tomando. Percebe a diferença da educação que recebeu e da dificuldade em transmitir esses ensinamentos aos filhos diante de tantas influências que eles recebem dos amigos e das redes sociais. “Me preocupo que isto acabe refletindo na educação, no comportamento e principalmente na fé religiosa deles”, comenta.
Os filhos se sentem mais brasileiros do que iranianos, o que Somayhe não considera um problema, já que eles gostam do Irã, se relacionam muito bem com os tios, avós e primos, mas principalmente respeitam os costumes. Por outro lado, os meninos também vivem contradições. Quando vão para o Irã são vistos como brasileiros e aqui são vistos como iranianos.
Mesmo de forma indireta, a integração das culturas é feita de ambos os lados. Quando da Copa do Mundo, na Escola Gustavo Augusto Gonzaga, onde os meninos estudam, aconteceu uma atividade cultural sobre todos os países participantes. A professora de Amir interviu junto a direção para que fizessem sobre o Irã, já que havia entre eles um aluno persa. Com entusiasmo, Somayhe conta que telefonou para a Embaixada do seu país eles enviaram panfletos, livros e bandeiras. “Eu levei tapetes persa e todas as meninas da sala desfilaram com os meus lenços”, conta.
Ainda sobre a escola, relembra que procurou a professora para falar sobre o ensino religioso quando viu o filho mais velho decorando a oração da Ave Maria. Foi uma conversa que resultou em troca de informações. “Hoje os professores quando leem algo sobre o islamismo ou quando querem se aprofundar em algum assunto nos procuram ou aos meninos para esclarecimento”: informa.
Amir é um rapaz de pouca fala, timbre de voz baixo e conta que “Nunca me senti discriminado em nenhum dos dois países. Mas no início, eles, os iranianos, me olhavam meio estranho”. Ele continua citando outras diferenças: “Não podemos andar de bermuda, nem de camiseta regata ou calça rasgada na rua. Lá os meninos podem usam calça de moletom, mas o casaco tem ser blazer”. Rindo conta: “Quando chego lá sou obrigado a me vestir como eles” e a mãe completa: “Quando ele entra no avião ativa o modo iraniano ou o modo brasileio com uma incrível facilidade”.
Trabalho – venda e restauração de tapetes persa.
“Trabalho com meu pai desde os 8 anos de idade no ramo de tapetes persa. Ele sempre me levava no Bazar, atividade que naquela época não era permitido às mulheres”, comenta lembrando que isso começou há 30 anos lá no Irã.
Desde cedo observava o modo como o pai falava com os empresários, com os funcionários e como se dirigia aos clientes. Assim aprendeu e se profissionalizou. Naquela época já lidava com dinheiro e pagava os funcionários. Uma função que deveria ser atribuída ao filho homem.
Como ela era a filha mais velha, o pai a orientou no trabalho. Se diz apaixonada pelo assunto e que dentre os irmãos só ela segue nesse ramo de negócio. “Meus irmãos amam tapete persa, mas só para colocar na casa”, comenta. E dentre os seus filhos, Somayhe acha que é o filho pequeno quem demonstra interesse. “Ele já ajuda o pai na lavação, questiona sobre os produtos que são usados”, registra.
Os tapetes são uma das manifestações mais características da cultura, da arte persa e remonta à antiga Pérsia. É feito artesanalmente e dependendo do tamanho pode levar até um ano para ficar pronto. “Meus pais são artesãos como os nossos ancestrais”, diz com orgulho.
No retorno das viagens, as malas voltam carregadas de produtos. “Se for necessário deixamos as nossas roupas lá para encher com material dos tapetes. Todo o trabalho de restauro é feito com produtos, fio, tingimento, autenticamente
irananiano, “, assegura.
Na alimentação também seguem a religião muçulmana
Panela de arroz com açafrão, de cor amarela, e zereshk (parecido com uva passa). Temperos trazidos do Irã. |
A base da alimentação de proteína vem da carne bovina, carneiro e frango. Nunca comem carne suína por questões religiosas.
“As comidas, em todos os países, são muito parecidas, o que muda é o preparo. Os temperos, ingredientes que não existem no Brasil, são trazidos do Irã”, diz Hamidreza. “Não voltamos de lá sem nossos chás, especiarias, a lentilha iraniana, Senjed – a flor de lótus”, completa Somayeh.
A carne consumida pelos muçulmanos segue alguns preceitos religiosos de acordo com a lei islâmica. A iraniana explica que o animal deve ser abatido com corte na veia jugular para que ele morra sem sofrimento. “É preciso abater o animal no sentido da casa de Deus, que é Meca”.
Famoso mesmo na família e entre alguns clientes, presenteados por ela, é o pão persa feito pela mãe Mahi. O tradicional pão de formato redondo é achatado, como uma folha, desenrolado com um bastão de madeira, assado na chapa e é conhecido em casa como o “pão da vó”.
Esse é, praticamente, o único pão que a família consome. De tanto ver a vó amassando na mão e assando um a um, Somayhe conta que ao retornar de uma das viagens ao Irã, o filho Amir percebeu e comentou: “Vó, lá não existe mais desse teu pão, eles fazem tudo sovado na máquina”.
Sobre visitar o Irã, ela nos esclarece “que não há conflito armado no seu país. O medo dos turistas é uma consequência das desavenças políticas e muitos o confundem com o vizinho Iraque ou a Arábia Saudita. Somayhe diz que em seu país “as pessoas são acolhedoras e que é seguro viajar para lá”.
Antes de viajar, ler relatos é sempre uma boa atitude. A própria Embaixada do Irã orienta sobre como se vestir ou se portar. Ter atitudes correspondentes aos hábitos locais é importante para não incorrer em faltas deselegantes.
Quando iniciei esta matéria acompanhei uma reportagem sobre o Irã, de 3 capítulos, no programa Realidade CNN. Tive a nítida ideia sobre o que Somayhe se referia, logo no início, quando disse que não sabemos nada do seu país.
Mesa de centro com doces, frutas secas, balas de côco, o Alcorão, pratos de sobremesa, sobre toalha com estampa de fundo vermelho trazida do Irã. |
Descrição da foto para acessibilidade de deficientes visuais: Card de fundo branco com o nome do post na parte superior. Ao centro, duas fotos: à esquerda, Heloisa, vestindo uma camiseta
Descrição da foto para acessibilidade de deficientes visuais: Card com dua fotos: em cima Heloisa e Lucienne com camiseta preta com o nome do blog SuperLinda escrito em cor laranjada
Legenda para acessibilidade de deficientes visuais: Foto da Praça "Mão do Brás". Monumento em homenagem ao colono, uma escultura em concreto representada por braços e mãos como se estivessem saindo
Legenda da foto para acessibilidade do deficiente visual. Foto da praça A Parada das Araras com três araras vermelhas, de madeira, sobre um tronco, o nome da cidade de Naviraí
Descrição da foto #PraCegoVer - Card de fundo com imagem da entrada da Bodega Garzón. Seis fotos, da direita para esquerda em cima: stand de exposição dos vinhos e azeites
Dia de garoa fina e neblina, lembravam o típico clima londrino, favorecendo o ambiente perfeito para a visita ao Castelo Britânico na cidade de Cocal do Sul, a 189 km