Há tempos, minha mãe lendo algo que escrevi sobre ela comentou: “nunca ninguém disse nada tão certo de mim”. Eu ri e respondi: “Pudera, ninguém lhe conhece tão bem quanto eu”. E por isso mesmo, em alguns trechos deste post, eu repito palavras já ditas.
Nasci sua filha, até quando foi necessário mudar de posição. Mesmo que não tenhamos “aberto” esse assunto uma para a outra, em determinado momento, sei que aconteceu essa inversão. Tivemos brigas, impaciências e diferenças para administrar essa nossa relação de mãe e filha.
Mãe não é para ser endeusada, é para ser respeitada por seus erros e acertos.Mãe não é para ser copiada, é para ser espelhada e tirar o melhor do seu reflexo.Mãe não é perfeita, mãe também é filha e somos seres imperfeitos.Segundo a doutrina espírita, quem escolhe a família em que quer nascer é o espírito que reencarna. O assunto é amplo e pretendo apenas falar sobre o que eu sinto neste momento. _Mãe, se vim como tua filha é porque essa a era minha necessidade ou seria porque só como filha eu poderia ser tua mãe e cuidar-te até o fim?Hoje, ela faleceu. Aos 86 anos, lúcida, com uma consciência intelectual invejável, dependente dos filhos só naquilo que lhe era conveniente ou por direito adquirido.Conhecida por alguns como a professora Zelândia, por outros como a poetisa Mila Ramos. Entre os amigos e vizinhos havia uma mescla das duas, e entre nós, era a mãe ou simplesmente a vó e bisa. Porém, definitivamente ela não era a mesma pessoa. Há uma tênue, mas distinta linha entre uma e outra.Faça suas lembranças voltarem ao passado e você, se a conheceu, a verá andando pelos corredores da escolas e da faculdade de Letras, usando um jaleco branco, falando alto e com a voz firme. Alta, corpo redondo, nariz arrebitado, esguia, elegante e linda com seus olhos verdes estonteantes.Com o domínio absoluto das palavras ela se escondeu entre as letras, largou nas linhas as suas paixões, encantamentos, alegrias e tristezas. A sua poesia é um desabafo dos seus sentimentos e nela terá seu nome perpetuado.Como mãe, foi cheia de amor e carinho pelos os filhos. Já, com os netos e bisnetos foi transbordante.Foi uma vida lidando com uma personalidade forte, fingindo uma independência emocional que não tinha. Por toda a nossa vida, o que não faltou, foram impasses para administrar. Ao final, respeitá-la, fazendo curvas e voltas para desviar os caminhos intransponíveis, por onde ela ainda insistia em querer passar, só com a ajuda de muitos amigos para dar conta. Janete, Rose, Tere, Eugenio, Vone, só Deus para lhes pagar.
Ler, ler e ler era a sua distração. Nesses últimos meses de vida, a melhor conversa era sobre as suas leituras. Lembro da referência que ela fez, sobre Marcel Proust. Prost foi um intelectual francês, escritor de romances e crítico literário. Ele, disse-me ela, afirmava que “o acento é o ponto luminoso da palavra”.
Mãe, você é que sempre será o meu ponto luminoso.
Vida e obra
De origem humilde, desde cedo viu sua mãe, Emília da Silva Ramos, trabalhar para sustentar a família, em razão da morte prematura de seu pai, José Ramos Martins. Nasceu em Tijucas SC, em 25 de junho de 1932. Tornou-se uma tijucana joinvillense desde quando, muito jovem, veio estudar como aluna interna no Colégio Santos Anjos. Casou-se com Gercy dos Anjos, teve três filhos Roberto, Raquel e Rute, é avó e bisavó.
– Formada em Letras pela Fundação Universidade Regional de Joinville com especialização em Lingüística pela UFSC.– Foi professora de 2º Grau e da Univille.– Ocupou cargos na Secretária de Educação Estadual.– Foi Diretora da Fundação Cultural de Joinville.– Responsável pela vinda do Balé Bolshoi, pela primeira vez ao Brasil, quando da apresentação da Abertura do Festival de Dança, em 1996. Escreveu e publicou:
– Pé de Vento
– Sete Sumos
– Na Grande Noite dos Girassóis
– Terra Nossa de Cada Dia (poesias e crônicas)
– Em Surdina (poesias)
– Tons e Semitons
– Maria Sem-vergonha
E, assinou durante dois anos, a coluna “Crônicas” no jornal Notícias do Dia, onde escrevia sobre a cidade de Joinville, seus personagens e fatos do cotidiano.
Zelândia Ramos dos Anjos morreu em Joinville no dia 20 de novembro de 2018